Melancolia Programada de Gabriel Abrantes | Fundação EDP

Melancolia Programada de Gabriel Abrantes

Melancolia Programada

12 fevereiro - 19 maio 2020

Curadoria: Inês Grosso

Central 

Em 2010, Gabriel Abrantes teve a sua primeira exposição individual numa instituição museológica em Portugal. Nesse mesmo ano, o artista luso-americano conquistou o prémio de melhor curta-metragem no prestigiado Festival de Cinema de Locarno na Suíça com o filme A History of Mutual Respect[, que pouco tempo depois seria incluído numa grande coletiva que inaugurou em simultâneo no Palais de Tokyo e no Musée d'Art moderne de la Ville de Paris/ARC. Foi também nessa altura que, juntamente com a Galeria ZDB e o curador e amigo de longa data Natxo Checa, fundou a produtora de cinema independente Mutual Respect Productions, com a qual viria a realizar e coproduzir uma boa parte dos seus filmes, muitos rodados em diferentes lugares do mundo e em contextos sociais distintos, como o Haiti, Sri Lanka e Angola. Com pouco mais de vinte anos e uma linguagem muito própria e peculiar, Abrantes tornou-se presença regular nos festivais internacionais e salas de cinema europeias, arrecadando ao longo destes anos inúmeros prémios e distinções de relevo, entre os quais se destaca o Grande Prémio da Semana da Crítica no Festival de Cannes, atribuído em 2018 à sua primeira longa-metragem de ficção, Diamantino.

A exposição "Melancolia Programada" abre com uma série de aguarelas instalada ao longo do corredor, um conjunto que introduz uma dimensão intimista e autobiográfica que é pouco habitual no seu trabalho. Com a exceção da sala onde se encontra a pintura As Banhistas, a exposição organiza-se em torno de seis ambientes distintos, cada um construído em torno de um dos filmes do artista. A primeira sala é dedicada à sua mais recente curta-metragem, Les Extraordinaires Mésaventures de la Jeune Fille de Pierre e inclui uma das novas animações 3D em Realidade Virtual feitas especificamente para esta exposição individual no MAAT. No caso de Visionary Iraq (2008) e Too Many Daddies, Mommies and Babies (2009), filme que lhe valeu o Prémio Novos Artistas da Fundação EDP, os ambientes recriam os cenários dos filmes. Produzidas entre 2008 e 2019, estas obras fílmicas baseiam-se em narrativas complexas que cruzam uma série de situações históricas, sociais e políticas com uma reflexão crítica sobre grandes temas da antropologia, modernidade e identidade.

As novas pinturas de Abrantes são habitadas por personagens enigmáticas e ambíguas, entre o cute e o grotesco, que pairam sobre um fundo azul, como uma paisagem desértica e crepuscular que evoca um espaço-tempo metafísico capaz de transcender a corporeidade física da superfície da tela. Realizadas a partir de imagens geradas por diferentes programas de animação digital, elas demonstram o crescente interesse de Abrantes pela intersecção entre animação digital 3D, inteligência artificial e a história da arte, em particular pela pintura ocidental. Nelas reconhecem-se referências a Paul Cézanne, Pablo Picasso, René Magritte ou Ed Ruscha, mas também às figuras votivas do Período Dinástico Arcaico, à commedia dell’arte ou à estética visual dos filmes da Disney e Pixar e às célebres curtas-metragens de animação americanas (Talkartoons) distribuídas pela Paramount Pictures entre os anos de 1920 e 1930. Observando a relação entre cinema e pintura e a concomitância entre duas práticas tão distintas, inclusivamente admitindo as sucessivas interrupções e desvios desta última, percebe-se que o imaginário visual dos filmes provém das fontes do pintor — por exemplo, o robot futurista do filme Humores Artificiais (2017) é uma clara referência aos icónicos sinos de René Magritte — na mesma medida em que, no caso deste novo conjunto de pinturas, a sua inspiração tem também origem em vídeos animados.

Munido de um manancial aparentemente inesgotável de referências e recursos, Abrantes é um artista desconforme que inspira audiências globais e desafia fronteiras mantendo sempre um percurso à margem da tradicional separação (e categorização) disciplinar entre o cinema e a arte contemporânea. Mais do que traçar um arco temporal retrospetivo do trabalho de Gabriel Abrantes, Melancolia Programada propõe um exercício experimental (e aberto) de encontros visuais que conduzem o visitante através da obra desviante e sedutora de um dos autores mais prolíficos da atualidade, revisitando diferentes momentos e fases da sua trajetória como uma tentativa (algo romântica) de harmonizar passado, presente e futuro.

Fotografias: Bruno Lopes

12 Fev 2020